Texto-provocação dezembro/2021

Na abertura deste texto-provocação parte de uma página da Revista Bahia Ilustrada do ano de 1920 nos traz imagens de senhoras e senhorinhas, elegantemente vestidas, fotografadas à saída do cine teatro. Sobre as imagens, as palavras: KURSAL BAHIANO. As quintas chics em S. Salvador (mais visíveis na página completa apresentada abaixo, junto ao texto assinado por Ladjane).

Falando do passado, Dourado (p.23, 2011) conta: “Imediatamente após a inauguração, o Kursal deu início às suas matinées das quintas feira, buscando atrair um público jovem, senhorinhas e rapazes, o melhor do nosso “escol social”, quando era então oferecido um serviço de gelados aos seus habituées´” .

Inaugurado em 24 de dezembro de 1919, na Praça Castro Alves, o  Kursal Baiano foi renomeado para Cine Guarani, em 1920 e, posteriormente, em 1981, para Cine Glauber Rocha. Mais recentemente, abrigou o espaço cultural Itaú.

O texto de Ladjane ao tratar o uniforme dos alunos como parte da cultura social e escolar, por certo tem muito a ver com as imagens reproduzidas na página da revista.

Fontes:

Dourado, Odete. A PRAÇA CASTRO ALVES: DO LAMENTO DOS “CANTOS” À MUNDANIDADE DESLAVADA. SALVADOR, 1850-1930. (Disponível em https://issuu.com/any_ivo/docs/2011-praca-castro-alves-ighba-capitulo—copia) . Texto originalmente publicado em: GAMA, Hugo; NASCIMENTO, Jaime (Org.). A urbanização de Salvador em três tempos: Colônia, Império e República. Textos Críticos de História Urbana. Salvador: Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, 2011, v.II, p. 197-238.

Revista Ilustrada, ano IV, num. 30 Rio de Janeiro, maio de 1920, localizada na Biblioteca Pública do Estado da Bahia, atual Biblioteca Central do Estado da Bahia.

 

O uniforme escolar na Bahia na década de 1920

Ladjane Alves Sousa

O uniforme escolar é parte do modo como as pessoas se trajam em determinado tempo e espaço, como prática cultural antiga desvela a materialidade histórica de um grupo social, de uma forma de pensar de uma época, entre outros aspectos. É interessante vermos a presença de maneira ampla da customização desta indumentária no interior das escolas em nossos tempos. Crianças, jovens, adultos e idosos narram suas formas de ver o mundo e a leitura sobre si ao modificar modelos padrões, mas também ao registrar através de selfies como querem ser vistas e vistos, além das suas experiências geracionais.

Consideramos relevante discorrer, brevemente, sobre a função do uniforme escolar na década de 1920 e a importância das narrativas visuais para pensar outros tempos e espaços, pois pouco conhecemos sobre a história deste artefato.

O recorte temporal tem relação com a constatação de que o acervo fotográfico sobre uniformes escolares reunido ao longo de diversos momentos de busca é mais expressivo para os anos que se situam entre 1920 e 1929.

Em trabalhos anteriores já investigamos e discutimos o tema dos uniformes, sempre considerando o vestuário como um importante símbolo da cultura escolar. Na monografia de 2008 estudamos  O uniforme escolar e seus disfarces no período de 1919-1929; no artigo de 2009 tratamos da função social do uniforme no interior da escola primária na década de 1920;  e no  texto de 2020 intitulado O uniforme na cultura escolar da Bahia na Primeira República  a discussão se desenvolveu de modo a realçar a relação entre esse símbolo e demais aspectos da cultura escolar.

É relevante destacar que estudos dos uniformes só foram possíveis por termos encontrado imagens e composições preservadas através das fotografias. Os signos amalgamados nas iconografias destacam aspectos da cultura escolar que os mais ricos detalhes contidos em textos escritos sobre as formas de vestir de outrora dificilmente possibilitaria evidenciar.  Mauad (1995, p. 25) diz que “A imagem fotográfica compreendida como documento revela aspectos da vida material de um determinado tempo do passado de que a mais detalhada descrição verbal não daria conta”.

Contrastando diferentes fontes documentais da década de 1920 foi possível identificar qual a função social do uniforme escolar neste período, entretanto é importante destacar quem frequentava a escola na época. Mesmo sabendo das existências de escolas filantrópicas, confessionais, de aprendizes de marinheiros, entre outras, que muitas vezes eram frequentadas por crianças com idades fora  dos limites determinados nas leis vigentes para a frequência escolar obrigatória, aqui nos referiremos e refletiremos sobre análises realizadas a partir de fotografias das escolas primárias do estado da Bahia, na década de 1920.

As idades limites para frequência obrigatória na escola primária estavam entre 7 e 12 anos, embora saibamos que a precarização na oferta dos serviços de educação, bem como, a condição de pobreza da maior parte da população da Bahia tenham impedido a frequência de uma significativa parcela das crianças. Algumas estratégias foram adotadas, como a criação da caixa escolar, um mecanismo de compensação da carência financeira das famílias que desempenhou um papel muito importante para garantir a regularidade da frequência escolar durante a administração de Anísio Teixeira referente à instrução pública no estado da Bahia. Entre os itens que foram contemplados com os recursos desta caixa para auxiliar os alunos, o fardamento foi um deles.

O Decreto n. 4.218, de 30 de dezembro de 1925, que regulamenta a Lei n. 1.846, de 14 de agosto do mesmo ano, em seu artigo n. 378 prescrevia que a “caixa escolar incrementará a frequência pelos seguintes meios: 1) fornecimento de merenda; 2) distribuição de roupas e calçados; 3) fornecimento de medicamentos; 4) distribuição de objetos indispensáveis ao uso pessoal; 5) distribuição de prêmios”.

Elio B. S. Mello em sua escrita no Relatório anual da seção de ensino primário da 11ª circunscrição – sede na Comarca de Jequié, ano de 1927 refere-se à caixa escolar deixando explicito como foram usados os recursos desta instituição complementar na circunscrição sujeita à sua inspeção. Entre as páginas 9 e 10 escreve que “A da Séde é, realmente, fecunda ativa, tem escrita montada. Vede os seus balancetes. Auxiliou a 33 alunos; dando a cada um beneficiado 2 uniformes, a bolet; 2 pares de meia,; 2 pares de calçado, livros, etc.”  Entre os itens fornecidos para auxiliar os estudantes, a maioria deles se referiam a elementos de um fardamento escolar, dos seis itens listados quatro eram parte dos uniformes: camisas, bolet, meias e calçados.

Ainda, neste mesmo relatório, Mello (1927, p.2 ), que inspecionava um total de 186 escolas, afirma que havia em relação à função do fardamento “[…]equiparação dos direitos e regalias do aluno pobre aos do rico, nivelados sobretudo, pelos uniformes escolares”. Além de outros documentos, este relatório demonstra que o vestuário uniforme na década de 1920, na Bahia, foi usado como uma forma de nivelar distintos grupos sociais que frequentavam escolas primárias públicas. Consideramos Mello uma testemunha ocular, uma vez que seu relatório compõe um dos escritos daqueles que, realmente, foram ativos na construção e execução da Instrução Pública no período em análise.

Sem dúvida, o nivelamento social é uma das funções deste tipo de vestimenta no ambiente escolar, pela equiparação de direitos e regalias. Entretanto, essa não é a única utilidade desse símbolo da cultura escolar, que é, também, um recurso para padronização e disciplinamento dos corpos, entre outros usos.

O uso do uniforme na década de 1920 esteve muito atrelado à realidade de pobreza na qual vivia a maior parte da população do estado da Bahia, na época. Ao nos voltarmos para os anos 20 do século XXI, aproveitamos a oportunidade para indagar: que funções do uniforme escolar forjam o uso desta indumentária nos tempos da selfie?

 

Para saber mais…

BAHIA.  Lei n. 1.846, de 14 de agosto de 1925. Dispõe sobre a Reforma da instrução pública. Bahia. Leis do Estado da Bahia. Bahia, Imp. Of. do Est. 1925 ( https://modosdefazer.org/wp-content/uploads/2020/07/lei-n.c2ba-1.846-de-14-de-agosto-de-1925.pdf) Disponível em REPOSITÓRIO DE DOCUMENTOS HISTÓRICOS.

______. Decreto n. 4.218, de 30 de dezembro de 1925. Dispõe sobre a aprovação do regulamento do ensino primário e normal. Bahia, Imp. Of. do Est. 1926 ( https://modosdefazer.org/wp-content/uploads/2020/07/decreto-n.-4.218-de-30-de-dezembro-de-1925.pdf). Disponível em REPOSITÓRIO DE DOCUMENTOS HISTÓRICOS.

MAUAD, Ana Maria. Através da Imagem: Possibilidades Teórico metodológicas para a Análise de Fotografias como Fonte Histórica. In: Anais do Seminário Pedagogia da Imagem, Imagem da Pedagogia, UFF, Faculdade de Educação, junho de 1995.

MELLO, Elias. RELATÓRIO anual das inspeções realizadas na 11ª circunscrição – Jequié apresentado ao diretor da seção de ensino em 31 de dezembro de 1927.

SOUSA, Ladjane Alves. Reflexões sobre a função social do uniforme escolar no interior da escola primária (Bahia, anos 20 do séc. XX).  Colóquio do Museu Pedagógico. Vol. 8, n. 1 (2009). P. 953-964.Disponível em: REPOSITÓRIO DE TESES, DISSERTAÇÕES, ARTIGOS E MONOGRAFIAS através do link: https://drive.google.com/file/d/1obJVgMB7OD8xBbb_xcDyeT60YShcq8WH/view?usp=sharing

PARA LER A MONOGRAFIA que trata do uniforme escolar e seus disfarces no período de 1919-1929 acesse https://drive.google.com/file/d/1NNPHUTAM73GqbeXs9m_pqHBrSqwN8E03/view?usp=sharing na página REPOSITÓRIO DE TESES, DISSERTAÇÕES, ARTIGOS E MONOGRAFIAS.

PARA CONHECER o texto intitulado O uniforme na cultura escolar da Bahia na Primeira República procure o livro Modos de fazer: cultura e memória da escolarização primária da Bahia publicado pela EDUFBA, disponível na biblioteca do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia -IGHB, para consulta, e na Amazon.com.br, para venda.


SOBRE A IMAGEM NO TEXTO PROVOCAÇÃO

Página da Revista Bahia Ilustrada, ano IV, num. 30 Rio de Janeiro, maio de 1920.

SOBRE A AUTORA

Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/ EDUFBA) Mestre em Educação (Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC UNEB) e graduada em Pedagogia. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Educação e Currículo (GPEC) e do Grupo de Pesquisa História e Memória da Educação Brasileira (HIMEB). Membro da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e da Associação Nacional de História (ANPUH). Interesse no campo da História da Educação, sobretudo, em narrativas docentes e discentes, iconografia, memória, interseccionalidade entre gênero, raça e classe e decolonialidade. Sensível à escrita poética, tem algumas poesias e contos publicados.

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O que se pretende, sobretudo, é que provoque reflexões , sem ser longo ou excessivamente denso.

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4 comentários em “Texto-provocação dezembro/2021

  1. Genilson Ferreira da Silva 16 de dezembro de 2021 — 09:53

    Muito bom o texto provocação

  2. Opa

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