Por que apagar o nome Carneiro Ribeiro?
“Viver sem conhecer o passado é andar no escuro”

Foto de Ernesto Carneiro Ribeiro
http://academiafriburguensedeletras.blogspot.com/2016/02/biografia-dos-patronos-ernesto-carneiro.htm
Esta semana me deparei com uma triste notícia. Como todos sabem faço mestrado na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e pesquiso sobre a trajetória de um professor negro itaparicano, chamado Ernesto Carneiro Ribeiro.
Infelizmente um dos poucos lugares de memórias que temos, na ilha de Itaparica, sobre um dos maiores educadores negros da Bahia, será desfeito. O prédio do “Colégio Carneiro Ribeiro”, escola localizada no centro de Mar Grande, passará a ser chamado Centro de Educação Infantil e Alfabetização. Ernesto Carneiro Ribeiro pouco é lembrado no território onde nasceu e fez sua escolarização primária, antes de se notabilizar como professor e intelectual no final do século XIX e início do XX. No dia 13 de novembro do mês passado completou-se 100 anos da sua morte, semanas depois, “morre” o último registro em patrimônio público da ilha de Itaparica que trazia à memória o seu nome.
O nome “Carneiro Ribeiro” tem uma relevante importância histórica para toda ilha de Itaparica, o pai de Ernesto C. R., o senhor José Carneiro Ribeiro foi um importante político e escrivão de Órfãos da Vila de Itaparica no século XIX, o seu irmão Cornélio Carneiro Ribeiro foi um importante professor de humanidades, chegou a ensinar ao avô de João Ubaldo Ribeiro, o escritor Ubaldo Ośorio Ribeiro, também na antiga vila de pescadores. Seu outro irmão, o Dr. José Carneiro Ribeiro Filho foi um importante médico, que também exerceu sua profissão na ilha de Itaparica.
Pesquisas sobre professores negros e educação da população negra no século XIX vem avançando desde a primeira década dos anos 2000, em destaque os trabalhos realizados na Bahia pelas professoras Dra. Ione Souza, Dra. Jaci Menezes Ferraz, Ma. Daiane Oliveira e por Dr. José Carlos Augusto Silva, dentre outros, que sobretudo ressaltam a presença e a atuação negra na educação como professores e alunos na sociedade oitocentista. Este campo se amplia com muitos outros trabalhos realizados no Brasil por pesquisadores como Dra. Maria Lucia Muller, Dra Alessandra Schuler, Dra Surya A. Pombo de Barros e Dr. Marcus Vinicius Fonseca. Pesquisas que contribuem com o processo de visibilidade de trajetórias “silenciadas”, “apagadas” e “desconhecidas”.
Interessante que em todos os lugares que leciono, quando pergunto aos alunos ou ouvintes se conhecem a história de Carneiro Ribeiro, eles respondem que conhecem a “escola” (importante lugar de memória), entretanto desconhecem a sua trajetória e o fato de ser um professor negro que chegou ao posto de primeiro presidente da Academia de Letras da Bahia.
Com a pesquisa tenho identificado outros professores negros itaparicanos que atuaram neste mesmo período em que ainda vigorava a escravidão, sujeitos que nem se quer foram lembrados em nome de escolas ou ruas, completamente esquecidos. Importante refletir sobre o conceito de epistemicídio cunhado por Boaventura de Souza Santos para pensar sobre esse processo de apagamento. Por que não Centro de Educação Infantil e Alfabetização Carneiro Ribeiro?
Escuto sempre que os “nativos”, moradores da ilha, são filhos e filhas de pescadores, não discordo, mas é preciso dizer que somos filhos e filhas de Intelectuais, de intelectuais negros e negras que foram e são silenciados, desconhecidos pela nossa gente, que infelizmente continua a pensar que somos descendentes de escravos.
Para saber mais
PITANGA, Ismael Lage. ERNESTO CARNEIRO RIBEIRO: A TRAJETÓRIA INTELECTUAL DO PROFESSOR NEGRO BAIANO (1839-1920)
PITANGA, Ismael Lage. Do Império a República na Bahia: silenciamento, apagamento e invisibilidade de professores negros
SOBRE O AUTOR
Ismael Lage Pitanga é Professor substituto na rede estadual de ensino da Bahia. Mestrando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local da Universidade do Estado da Bahia/UNEB (2018) – Campus V; Licenciado e Bacharelando em História pela Universidade Federal da Bahia/ UFBA (2017); Desenvolve pesquisa na área de História, com interesse principalmente nos seguintes temas: Trajetória(s) das populações Afro-brasileira, História Intelectual, Intelectuais negros, História da Ilha de Itaparica, História da Educação, atuação dos professores negros e o processo de escolarização da população de cor no Brasil.
Agradeço ao GPEC pela honra. Obrigado por tudo!!
Excelente provocação! Professor Ismael Pitanga tem sido um agente histórico, que guarda a memória e história daqueles que insistem em apagar. Com seu objeto de pesquisa tem nos feito pensar o quanto intelectuais negros são esquecidos, vilipendiados no processo de agressão aos espaços que com muito labor conquistaram. No entanto, o mestrando Ismael Pitanga decida da voz a essas trajetória tornando-as sempre vivas em nosso imaginário. Parabéns pelo texto!
Obrigado, Tiago Áfricas pelo comentário, a sua fala me fortalece!