Texto – provocação abril – 2022

SEÇÃO EM DISCUSSÃO

TROCANDO IDEIAS SOBRE A ESCOLA DO PRESENTE E DO PASSADO

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Em plena pandemia o professor Ildimar França Nascimento desenvolveu com alunos das últimas séries do ensino fundamental e do ensino médio um projeto pedagógico a partir da pergunta: Que tal ajudar a contar a história da sua cidade, seu estado ou país a partir de objetos que você tem em casa?

Ao ler a notícia sobre o projeto sentimos que ali estavam presentes ideias com as quais tivéramos contatos em dois textos.

Um texto de José Pacheco, fundador da Escola da Ponte, mundialmente conhecida pela forma inovadora e revolucionária de sua organização pedagógica. No texto, que é uma entrevista veiculada no Jornal Correio, em 2021, Pacheco conclama os educadores a construir uma nova escola.

E em um discurso proferido, em 1963, Anísio Teixeira alerta os “mestres do amanhã” para o impacto que no futuro a tecnologia teria na mudança das estratégias e formas de ensinar.

Nossa Seção EM DISCUSSÃO – Trocando ideias sobre a escola do presente e do passado traz esses dois textos cuja leitura evidenciará uma relação com o tema Os professores do século XXI e seus recursos pedagógico -didáticos, eleito como central para essa edição do mês de abril.

Leia os textos abaixo. Depois visite aqui a Exposição Escolar Museu virtual com objetos antigos dos alunos: Uma inovação de sala de aula nos tempos da selfiel. Veja como o professor Ildimar França Nascimento articulou em sua proposta o ensino da história, a aprendizagem sobre fontes históricas e o uso do Facebook, mídia queridinha dos jovens alunos da escola dos tempos da selfie.

Vejam a entrevista de Pacheco

Prova não avalia, aula não ensina: ‘Espero que tenham percebido a mensagem do vírus’ 1

Entrevista de José Pacheco, fundador da Escola da Ponte (Porto, Portugal), concedida a Jornalista Priscila Natividade e publicada no Jornal Correio, em 01/08/2021 (priscila.oliveira@redebahia.com.br).

'Quase não existe avaliação nas escolas. Apenas classificação, que nada significa', defende Pacheco por uma escola sem paredes e com mais autonomia para o aluno

José Pacheco em foto no Jornal Correio em 01/08/2021

1) Qual a proposta da Escola da Ponte e como esse modelo já era inovador lá na década de 70? Que contribuição podemos trazer para a educação nos dias de hoje?  

Na Escola da Ponte, a decisão de mudar foi de origem ética. Encontrei jovens analfabetos, que tinham sido ensinados do modo que eu antes ensinava. Se eu continuasse a trabalhar do modo como, até então, havia trabalhado, aqueles jovens continuariam sem saber ler. Tomei consciência de que, dando aula, eu não conseguiria ensiná-los. Há cinquenta anos, num tempo em que nem sequer havia computadores, a Escola da Ponte provou a possibilidade de romper com o ciclo vicioso da reprodução, conseguiu que uma maioria de alunos oriundos da pobreza alcançasse a excelência acadêmica e a inclusão social.

Por isso, insisto na reflexão sobre aquilo que nos diz a Constituição. Ela consagra o direito à educação, ao dizer que é dever do Estado garantir a educação a todos. Se o modo como a escola funciona nega a muitos seres humanos o direito à educação, ela não pode continuar a ser gerida dessa forma.  

2) Por que há uma resistência tão grande em tornar a aprendizagem um processo em que o aluno seja protagonista?  

Quando modificamos o modo, asseguramos a todos o direito de ser sábio e feliz. E conseguimos fazer isso na escola pública. Continuamos dependentes de um sistema de ensino em que alunos do século XXI são ensinados por professores do século XX, com recurso a práticas do século XIX. Precisamos de uma aprendizagem e de uma educação do século XXI. As escolas resistem à mudança, não inovam, porque não são geridas por critérios de natureza pedagógica, mas por burocratas. 

3) Aula não ensina, prova não avalia. Por que a aula como é ministrada hoje, já não faz mais sentido? 

Quase não existe avaliação nas escolas. Apenas classificação, que nada significa. O Ensino Médio atira a culpa para o Fundamental, o Fundamental para o Jardim Infantil e este, por sua vez, atira as culpas para as famílias. É assim tão difícil entender que do que se decora para uma prova, e depois de “vomitado” se esquece, pouco ou nada fica? Mais exames não melhoram o sistema, porque não é a preocupação com o termômetro que faz baixar a temperatura.

Estou a falar de projetos que produzem excelência acadêmica e inclusão social e onde não há organização por idades, aulas ou turmas, que são dispositivos sem sentido nenhum, sem fundamentação científica. Conceber uma nova construção social de aprendizagem onde todos aprendem é possível. 

4) Como a educação na pandemia ‘sacudiu’ a escola tradicional que você sempre questionou?  

A pandemia abalou o sistema. Demonstrou que escolas não são prédios, que escolas são pessoas. Espero que os educadores tenham percebido a mensagem do vírus. O ensino remoto permanece tão inútil como o presencial. Será preciso passar de um sistema de ensino para um sistema de aprendizagem, numa nova construção social de educação.

E não há alunos deficientes, mas práticas deficientes. As escolas dispõem de excelentes professores, a trabalhar do modo errado. É preciso que haja gente, educadores conscientes da necessidade e possibilidade de mudança. Que saibam escutar sonhos e necessidades da comunidade. E que ajam em função da lei e da ciência.  

5)  O que, de fato, é determinante para a aprendizagem?  Que saber é esse que acontece e se aprende, naturalmente?   

Por quê 50 minutos de aula, se a aprendizagem acontece 24 horas por dia? A aprendizagem é antropofágica. Não se aprende o que o outro diz, apreendemos o outro. Um professor não ensina aquilo que diz, ele transmite aquilo que é. Poderá acontecer aprendizagem em sala de aula, se forem criados vínculos e esses vínculos não são apenas afetivos, também são do domínio da emoção, da ética, da estética… Se tentarmos recordar de um professor de quem não gostamos, compreenderemos porque pouco, ou mesmo nada aprendemos nessa disciplina. 

6) O que é preciso ser feito, na prática, para que essa transformação ocorra?  

Um projeto humano é um projeto coletivo. Pais e professores do mesmo lado. Sozinho, pouco ou nada eu poderia fazer. Constituímos uma equipe. O papel essencial será o da criação de condições de reelaboração da cultura pessoal e profissional dos educadores. Essa transformação, custa tempo e sofrimento. Decidimos habitar um mesmo espaço, derrubar paredes, juntar alunos.

A formação de professores continua imersa em equívocos, cativa de um modelo de formação cartesiano. Prevalecem práticas carentes de comunicação dialógica, culturas de formação individualistas, de competitividade negativa, de que está ausente o trabalho em equipe. 

7) O que podemos chamar hoje de tecnologias educacionais?   

As novas tecnologias são incontornáveis. A Internet não é uma ferramenta, é uma sociedade. Apenas será necessário saber o que fazer com as novas tecnologias. É certo que as escolas se têm enfeitado de novas tecnologias, mas sem lograr intensificar a comunicação e a pesquisa. O modo como as escolas utilizam a Internet fomenta imbecilidade e solidão, quando congelam as aulas nos computadores. Com ou sem novas tecnologias de informação e comunicação, a escola precisa ser reinventada.  

8) Como você enxerga a educação básica no Brasil?  

Acredito nos professores. Os brasileiros deveriam procurar caminhos de alforria científica e a sua maioridade educacional, sem prescindir do que venha do estrangeiro. Novidades importadas, como a aula invertida, por exemplo, não passam de inovações requentadas.

No meu vaguear do Oiapoque ao Chuí, questionei o meu etnocentrismo europeu. Na presença de povos pré-colombianos, reencontrei Darcy, Agostinho, Montessori, Dewey, Anísio. Em comunidades indígenas, me encantei com o modo delicado, sábio, como educavam os seus filhos: “Segue a criança!”. Reencontrei Freinet, Illich, Papert e Maturana nas favelas. Lá, não havia apenas tráfico, prostituição, milícias; havia autonomia, cooperação… vizinhança.

Reencontrei Morin, Nise, Milton, Rogers e o amigo Tião, em muitos quilombos, onde se transformava em ato o provérbio africano que diz ser necessária uma tribo para educar uma criança. Reencontrei Freire, Nilde. Demo, Florestan, Lauro e outros insignes educadores, em lugares onde a tecnologia contribuía para a humanização do ato de educar. No Brasil me reencontrei com a escola. Nela, a “educação do futuro” se faz presente. 

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Vejam trechos do discurso de Anísio

ANÍSIO TEIXEIRA, EM 1963: Um visionário ou um educador com visão de futuro?

Trecho transcrito do discurso de Anísio, Mestres do Amanhã publicado com um título atribuído pelas editoras do Blog.1 e 2

Anisio Teixeira em foto disponível em https://jornal.usp.br/cultura/ideias-do-educador-anisio-teixeira-serao-debatidas-nesta-semana/ Jornal da USP publicado em 14/12/2020. Acesso em 23/042022.

[…]

Que haverá já hoje que nos possa sugerir o que poderá vir a ser a escola de amanhã? Perdoem-me que lhes lembre as transformações operadas nos grandes empreendimentos que dirigem a informação e as diversões modernas: a imprensa, o cinema, o rádio e a televisão. Entregues à iniciativa privada e dominados pelo espírito de competição, o jornal, a revista, a produção de filmes e as estações de rádio e de televisão tornaram-se grandes serviços técnicos e desenvolveram tipos de profissionais especializados, dotados de extrema virtuosidade, que se empenharam em se pôr à altura dos recursos tecnológicos e do grau de expansão da cultura moderna. Algo de semelhante será o que irá suceder com a escola, com a classe e com o professor. Se a biblioteca, de certo modo, já fizera do mestre um condutor dos estudos do aluno e não pròpriamente o transmissor da cultura, os novos recursos tecnológicos e os meios audiovisuais irão transformar o mestre no estimulador e assessor do estudante, cuja atividade de aprendizagem deve guiar, orientando-o em meio às dificuldades da aquisição das estruturas e modos de pensar fundamentais da cultura contemporânea de base científica em seus aspectos físicos e humanos. Mais do que o conteúdo do conhecimento em permanente expansão, cabe-lhe, com efeito, ensinar ao jovem aprendiz a aprender os métodos de pensar das ciências físico-matemáticas, biológicas e sociais, a fim de habilitá-lo a fazer de tôda a sua vida uma vida de instrução e estudos.

[…]

O mestre seria algo como um operador dos recursos tecnológicos modernos para a apresentação e o estudo da cultura moderna, e como estaria, assim, rodeado e envolvido pelo equipamento e pela tecnologia produzida pela ciência, não lhe seria difícil ensinar o método e a disciplina intelectual do saber que tudo isso produziu e continua a produzir. A sua escola de amanhã lembrará muito mais um laboratório, uma oficina, uma estação de televisão do que a escola de ontem e ainda de hoje. Entre as coisas mais antigas, lembrará muito mais uma biblioteca e um museu do que o tradicional edifício de salas de aulas. E, como intelectual, o mestre de amanhã, nesse aspecto, lembrará muito mais o bibliotecário apaixonado pela sua biblioteca, o conservador de museu apaixonado pelo seu museu e, no sentido mais moderno, o escritor de rádio, de cinema ou de televisão apaixonado pelos seus assuntos, o pIanejador de exposições científicas, do que o antigo mestre-escola a repetir nas cIasses um saber já superado.

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  1. Fonte: TEIXEIRA, Anísio. Mestres do Amanhã. Discurso proferido na sessão do Conselho Internacional de Educação para o Ensino, reunido no Hotel Glória. Rio de Janeiro, ago. 1963. Publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.40, n.92, out./dez. 1963. p.10-19.
  2. Texto completo em http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/artigos/mestres.html

Sobre os autores

José Pacheco como descreve a jornalista Priscila Natividade é educador, antropólogo, especialista em Leitura e Escrita, Master of Science (MSc) em Ciência da Educação pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Idealizador da Escola da Ponte, em Portugal – uma das experiências em educação mais inovadoras do mundo – é autor de inúmeros livros e artigos sobre o tema, onde critica o modelo tradicional de ensino e aprendizagem. Indutor de mais de 100 projetos para uma nova educação no Brasil, atua hoje na EcoHabitare Consultoria e Projetos Educacionais como coordenador pedagógico dos Projetos de Formação.

Sobre Anísio Teixeira, bastante conhecido entre muitos de nós, professores dos séculos XX e XXI, remetemos os leitores para a Biblioteca Virtual Anísio Teixeira http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/ e para o texto Ideias do educador Anísio Teixeira serão debatidas nesta semana publicado no Jornal da USP acessado em 23/04/2022 .

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LEU OS TEXTOS?

VISITOU A EXPOSIÇÃO ?

VAMOS TROCAR IDEIAS ?

O que achou dos textos – provocação desse mês?

O texto de Pacheco, o de Anísio e a história contada na exposição escolar ajudaram a refletir sobre a escola infantil, o ensino fundamental e o ensino médio da Bahia , em tempos atuais, ou seja, nos tempo da selfie?

Como você vê a nossa escola atual? ou a escola onde você atua?

Como acha que estará a nossa escola no futuro?

O que você achou da Exposição escolar?

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