Exposição Escolar maio 2022- Benfeitores, alunos e professores negros na educação baiana

Na foto em destaque alunos do Grupo Escolar Coronel Dias Coelho, em Morro do Chapéu, concebido por um benfeitor da educação, Dias Coelho, o “Coronel negro da Chapada Diamantina”. Ao fundo prédio do Grupo Escolar inaugurado em 1928. Fonte: Acervo de Cândida Pereira dos Santos Monteiro

Benfeitores, alunos e professores negros na educação baiana

Ao estudar a construção da escola primária na Bahia tomando o currículo como núcleo central o GPEC decidiu privilegiar uma concepção ampla do currículo que envolve os vários aspectos e elementos através dos quais ele se manifesta e se constrói. Nessa direção buscou contemplar o protagonismo dos professores e de outros atores como escritores de livros didáticos, delegados escolares, pessoas que estimularam a expansão de oportunidades de acesso à educação criando escolas ou contribuindo para a sua manutenção, atores que na condição de professores ou em outra posição contribuiram com a educação por sua participação política. Articulada ao tema negros na educação baiana , a exposição escolar de maio 2022 traz breves informações sobre a presença dos negros como benfeitores, alunos e professores. Como sempre, a intenção é estimular o diálogo, divulgar fontes resultantes dos nossos estudos e de outros autores e estimular os jovens pesquisadores a continuar desbravando as sendas abertas, até agora.

BENFEITORES NEGROS

Raymundo Luis dos Santos Frexeiras (1882-1926)

Raymundo Luis dos Santos Frexeiras foi um pernambucano que devido às condições econômicas de sua família, passou a trabalhar para auxiliar no sustento, já na infância. Chegou aqui na Bahia em 1908, aos 26 anos de idade, sendo Salvador sua última residência, onde faleceu, exatamente no dia 18 de agosto de 1926, aos 44 anos.

Em 03 de março de 1918 fundou o Abrigo dos Filhos do Povo junto com José Fructuosos dos Santos, Fortunato Ferreira da Fonseca e Ladislau Victor das Virgens, amigos da confiança de Frexeiras e moradores, assim como ele da Estrada das Boiadas. Em seus escritos Frexeiras se define como um proletário de “amorenada raça” e descreve seus amigos fundadores como “quase pretos”. Fundaram a instituição do Abrigo dos Filhos do Povo para funcionar como um “[…] regime absoluto de proteção ás crianças pobres. ” (1921, p. 194).

Escreveu dois livros, um intitulado AS PROVAS DAS MINHAS IDÉAS: O ABRIGO DOS FILHOS DO POVO (Pela causa da criança e o conflicto social). Esse livro contém indicações de várias fontes documentais sobre a instituição. Em 1923 escreveu seu segundo livro, intitulado O Proletário Joaquim Calumby: A Insania pela Fome e Lethargia do Oiro.

A inauguração do Abrigo dos Filhos do Povo, escola que Frexeiras junto com outros proletários fundou, ocorreu em 11 de julho de 1918. Havia no Abrigo duas escolas – a do sexo masculino e a do sexo feminino. As informações nos documentos levantados indicam que o Abrigos dos Filhos do Povo foi a primeira escola a funcionar na Estrada das Boiadas, local atualmente conhecido como o bairro da Liberdade, em Salvador.

Referências:

FREXEIRAS, Raymundo dos Santos. As provas das minhas idéas: o Abrigo dos filhos do povo (pela causa da criança e o conflito social). Bahia: Imp. Of. 1921.

______. O Proletário Joaquim Calumby: A Insania pela Fome a Lethargia do Oiro. Bahia: Livraria Catilina, 1923.

Para saber mais, acesse Abrigo dos Filhos do Povo- A formação para os filhos do povo segundo as ideias e propostas de Raymundo Frexeiras (1918 a 1920). Ladjane Alves Sousa

Francisco Dias Coelho – o Coronel negro do sertão baiano (1864 – 1919)

Francisco Dias Coelho foi um entusiasta apoiador da educação pública em Morro do Chapéu, ao norte da Bahia, no início do século passado. Neto de escravos libertos, constituiu riqueza e alcançou prestígio econômico e social através do comércio e exportação do carbonato, pedra também conhecida como lavrita ou ferrujão pelos garimpeiros. Foi um dos principais comerciantes de pedras preciosas do Brasil.

Almejando consolidar sua figura pública, após derrota nas eleições de 1899, comprou a patente de coronel da Guarda municipal , por volta de 1902,   fundou um partido político – os Coquís.[1] Esse grupo era composto por professor, fotografo, jornalista e redator, o coronel Horácio de Matos e outros, cada um dos quais desempenhava uma função na construção da imagem pública do Coronel.

            Como intendente municipal de Morro do Chapéu melhorou a estrutura urbana local com base no modelo urbano francês; impulsionou a elevação da vila à categoria de cidade, em 1908. Criou equipamentos culturais e de comunicação. Destinou recursos extras para educação e já na primeira década do século XX houve um aumento considerável no número de escolas, contratação de professores e crescimento do número de matrículas no município. Em 1916 cria um projeto de construção de um prédio escolar, em lugar apropriado e em boas condições de higiene, para o funcionamento do Grupo Escolar, que era o que existia de mais moderno para a instrução pública, na Primeira República.

Com sua morte em 1919 a construção do prédio fica inacabada, apesar da sua base já estar de pé. Em 1926, em acordo com o Governo da Bahia, a obra é retomada e o prédio foi inaugurado, em 1928, com o nome de Grupo Escolar Coronel Dias Coelho. Com uma arquitetura grandiosa, ele e o prédio da prefeitura eram as construções mais importantes da cidade na época.  

Dias Coelho era um homem progressista, pensava além do seu tempo. Sua ação gerou organizações e instituições importantes para o desenvolvimento de Morro do Chapéu, algumas das quais existem, até hoje, como a centenária Filarmônica Minerva, com seus 116 anos.


[1] Coquís era uma expressão pejorativa, dada pelos opositores, relacionando os membros do partido ao pássaro preto, muito comum na região, já que o grupo político foi constituído por negros, mestiços e brancos pobres, alguns dos quais ascenderam socialmente com a negociação de diamantes e carbonato, Sampaio (2011).

Referências

SAMPAIO, Moisés de Oliveira. Francisco Dias Coelho: O coronel negro da Chapada Diamantina. Salvador, Eduneb, 2017. Disponível em https://librairie-portugaise.com/product/francisco-dias-coelho-o-coronel-negro-da-chapada-diamantina/

Para saber mais acesse Educação e modernidade urbana em Morro de Chapéu na Primeira República. Salvador-UNEB, 2013. Cândida P dos S Monteiro

ALUNOS NEGROS NA EDUCAÇÃO BAIANA

A educação dos negros não foi uma questão habitualmente tratada nos documentos oficiais e em escritos de professores. Investigar a presença dos negros na educação baiana exige uma maratona na busca de fontes e um intenso cruzamento de informações. No acervo do GPEC encontramos dois documentos sobre a inclusão na escola pública primária dos “ingênuos”, termo usado par designar os filhos de escravas nascidos a partir da Lei do Ventre Livre (LEI Nº 2.040, DE 28 DE SETEMBRO DE 1871). Em um deles, Sophia Maria Guedes Lobo, professora da Escola pública da Freguesia de Tanquinho faz, em 1883, consulta sobre como proceder diante da reação de pais ao fato de ter matriculado ingênuos em sua escola.

O outro, de 1882, é uma longa resposta de Romualdo Maria de Seixas Barroso para consulta de igual teor recebida por ele, na condição de Diretor Geral da Instrução Pública da Bahia. Esses escritos são evidências das dificuldades em tornar reais as prescrições da lei de 1871. Veja aqui Resposta de Romualdo S. Barroso Os ingênuos nas escola públicas

No denso conjunto de documentos levantados relativos ao período de 1889 a 1930 não encontramos referências à cor dos alunos e professores. Membros do GPEC interessados em saber quem eram as crianças de nossas escolas públicas, escrevem: Enquanto nos outros documentos utilizados neste texto não há referência sobre a cor, as fotografias de alunos das escolas de Salvador evidenciam que as crianças negras já estavam presentes na escola pública primária, na Primeira República […]. ( SOUSA e BRANDÃO, no texto QUEM ERA O ALUNO DA ESCOLA PÚBLICA PRIMÁRIA NA PRIMEIRA REPÚBLICA? no livro O ENSINO PRIMÁRIO NO MUNICÍPIO DE SALVADOR 1896-1926 publicado pela EDUFBA em 2014)

E é através de fotografias, muitas delas comprometidas pela qualidade, que pretendemos dar nessa Exposição Escolar uma breve visão da presença de alunos negros na educação baiana. Entre nós, só mais ou menos a partir de 1918 as fotografias de alunos vão se tornar presentes nos relatórios de delegados escolares e em algumas revistas.

As imagens que se seguem correspondem a fotografias de alunos relativas ao período de 1919 -1970.

O que as fotografias selecionadas revelam?

Deixamos aqui um convite para que você observe as imagens e formule suas próprias conclusões…

Fotografias de alunos de escolas públicas 19191970

1919

Alunas da Escola Pública Primária dos Mares. Fonte : Revista RENASCENÇA, Salvador, Ano IV. N. 49. Dezembro 1919.

1928

Alunos da Escola da rua da Motta, no Distrito da rua do Paço .

Fonte: Teixeira, 1928.

1930

Alunos na festa de 15 de novembro de 1928 na frente do prédio da Prefeitura Municipal de Itabuna. Fonte: Album Artístico, Comercial e Industrial do Estado da Bahia, Folgueira, 1930.

Duas fotografias de 1940

Foto em relatório do Inspetor Escoalr da IV Região , Francisco Batista Neves Filho, em 1940, sem identificação da escola. (Certamente escola do interior do estado)

Escola D. Pedro II do Sindicato dos Ferroviários de Nazaré. Foto em relatório do Inspetor Escoalr da IV Região , Francisco Batista Neves Filho, em 1940

Entre 1960 e 1970

Alunos da Escola Getúlio Vargas, fotografados entre os anos de 1960 e 1970.

Fonte: Levantamento GPEC realizado na Biblioteca da Escola Getúlio Vargas, em 2013.

1969

Aluna da Escola Getúlio Vargas em fotografa do ano de 1969. Fonte: Levantamento GPEC realizado na Biblioteca da Escola Getúlio Vargas, em 2013

Fotografias de alunos da Escola Abrigo dos Filhos do Povo

Instituição de caráter filantrópico, criada em 1918, na Estrada das Boiadas, posteriormente estrada ou Bairro da Liberdade, que tinha como finalidade educar, instruir e prestar assistência às crianças pobres que não tinham acesso às escolas publicas ou nas quais não conseguiam permanecer.

Foto do ano de 1924

Alunos da Escola Abrigo dos Filhos do Povo organizados em praça pública diante do busto de Ruy Barbosa. Revista do Ensino, Bahia, Volume I, Ano I, N.2 , setembro de 1924.

Três fotografias de 1921

Alunas da escola do sexo feminino em foto no livro AS PROVAS DAS MINHAS IDÉAS: O ABRIGO DOS FILHOS DO POVO, Frexeiras, 1921

Foto do aluno Simão Alves de Souza no livro AS PROVAS DAS MINHAS IDÉAS: O ABRIGO DOS FILHOS DO POVO, Frexeiras, 1921

Alunos do sexo masculino em foto no livro AS PROVAS DAS MINHAS IDÉAS: O ABRIGO DOS FILHOS DO POVO, Frexeiras, 1921

Alunas de uma escola particular, em Salvador -Bahia, 1936

Fotografia de alunas do colégio particular Nossa Senhora de Loudes em atividade esportiva. Fonte: Relatório do ano de 1936 de Waldyr Lemos Lopes, fiscal do governo junto ao colégio.MMM

O que as fotografias selecionadas revelaram?

É possível que alguns observadores percebam em determinadas fotografias apresentadas as tentativas de apagamento ou ocultação destinando aos alunos de cor posição de menos destaque na foto (em uma atitude de esconder, camuflar ) e, também, uma certa insinuação de ausência selecionando para fotografar as atividades e práticas nas quais só alunos brancos estavam presentes.

Em outras fotografias é evidente a presença mais constante e numericamente mais significativa dos negros nas escolas voltadas para o atendimento da população pobre, em bairros distantes do centro ou nas escolas mantidas por instituições voltadas para a assistência social ou filantropia.

PROFESSORES NEGROS

Cincinnato Franca, Alipio Franca, Deoclecio Silva, Manoel Theotimo, Alberto Assis, Francelino de Andrade, Elias Nazareth, Pedro Celestino, Leopoldino Tantú e Sá Teles são alguns dos “homens de cor” que se destacaram no magistério primário baiano, lutando por melhores condições de trabalho e refletindo sobre as realidades do ensino público primário. Cabe pois, salientar que também existiram mulheres de destaque no cenário educacional baiano, mas dada a importância destas e da temática de gênero, bem como das lutas que travaram buscando ampliar os horizontes, optamos por prestigiar estas mulheres do passado com uma sessão e exposição específica, valorizando e dando visibilidade aos seus feitos. (Nota das editoras responsáveis pela Exposição dezembro 2020)

Alipio Correia da Franca

Cincinnato Ricardo Pereira da Franca

Deoclecio Silva

Alberto Francisco de Assis

Francelino do Espírito Santo de Andrade

Manoel Theotimo de Almeida

Elias de Figueiredo Nazareth

Pedro Luiz Celestino

Leopoldino Antonio de Freitas Tantú

José Francisco de Sá Teles

Para conhecer a biografia resumida desses professores visite aqui a Exposição Escolar de dezembro 2020 Educadores Baianos do Império à República -Parte 1

Pesquisadores baianos estão se empenhando em levantar informações sobre o protagonismo dos professores negros na educação da Bahia, é o caso, por exemplo, da professora doutora Ione Celeste J. de Sousa com seus vários estudos e orientações de mestrandos e doutorandos e de jovens pesquisadores como Ismael Lage Pitanga que realizou pesquisa sobre Carneiro Ribeiro e de Verônica de Jesus Brandão com sua pesquisa sobre Alipio Franca . As editoras do Blog Modos de Fazer Educação na Bahia estão empenhadas em registrar na nossa página NEGROS NA EDUCAÇÃO BAIANA os textos desses e de outros autores envolvidos em estudos sobre a temática.

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SOBRE A INVISIBILIDADE DOS PROFESSORES NEGROS NA EDUCAÇÃO BAIANA

DO IMPÉRIO À REPÚBLICA NA BAHIA: silenciamento, apagamento e invisibilidade de professores negros

Ismael Lage Pitanga[1]

O espaço urbano dos municípios do estado da Bahia, em particular, da cidade de Salvador, é marcado por “nomes históricos” em diversos patrimônios e espaços públicos como ruas, praças, escolas, estádios, avenidas, faculdades e hospitais. Sendo a denominação do patrimônio público umas das formas de historicizar sujeitos, acontecimentos, datas importantes e de demarcar o que deve ser perpetuado na memória da sociedade, os nomes selecionados definem quem deve ser lembrado e, consequentemente, determina os que devem ser silenciados. Pretendemos neste texto, refletir brevemente sobre o silenciamento de professores negros na chamada historiografia tradicional. Além de analisar o processo de apagamento histórico da memória sobre sujeitos que atuaram na educação durante o Império e início da República na Bahia, discorremos sobre a ausência de seus nomes em espaços públicos, particularmente em escolas, em contrapartida à evidência dada ao nome de políticos e governantes baianos do século XX.

Leia mais

LEIA AQUI O TEXTO PROVOCAÇÃO Escolarização, Professores  e Abolicionismo na Bahia de autoria da professora Titular da UEFS Ione Celeste J. de Sousa

CRÉDITOS

Seleção das imagens e organização da exposição: Editoras do Blog

Fonte das imagens e textos: Acervo do GPEC e acervo pessoal das editoras do Blog

Republicação no texto da exposição de artigo de Ismael Pitanga

Edição : EDITORAS DO BLOG MODOS DE FAZER EDUCAÇÃO NA BAHIA